Lidar com dilemas éticos é um desafio constante para os residentes de psiquiatria, especialmente quando enfrentam casos complexos. Um estudo realizado na Universidade de São Paulo pelos nossos sócios-diretores Dr. Gustavo Bonini Castella, Dr. Thiago Fernando da Silva e Dra. Emi Mori et al. apresentou a criação de um grupo de consultoria ética destinado a apoiar esses residentes em situações difíceis. Um dos casos destacados foi o de uma paciente de 29 anos com Transtorno de Personalidade Borderline.
A paciente, com histórico de múltiplas falhas de tratamento e uma tentativa de suicídio, foi internada para avaliação e possível tratamento com eletroconvulsoterapia (ECT). No entanto, ela se recusou a realizar o procedimento, mesmo com a insistência de sua mãe e do médico responsável. O residente que acompanhava o caso sentiu-se pressionado e inseguro sobre como proceder, especialmente devido à gravidade dos sintomas da paciente e ao conflito entre as vontades da paciente, da família e da equipe médica.
Foi nesse momento que o residente buscou o apoio do grupo de consultoria ética do hospital. Este grupo, composto por especialistas em ética médica, ajudou a avaliar a capacidade da paciente de tomar decisões e concluiu que, apesar de seu transtorno, ela estava apta a decidir sobre seu tratamento. A partir dessa avaliação, a equipe decidiu explorar outras opções terapêuticas, como a reintrodução da Clozapina, em vez de insistir na ECT.
O apoio oferecido pelo grupo de consultoria ética foi essencial para que o residente se sentisse mais confiante e preparado para tomar decisões em um contexto tão complexo. Esse tipo de suporte não apenas orienta a decisão médica, mas também protege a saúde mental dos residentes, promovendo um ambiente de aprendizado saudável e contribuindo para a formação de profissionais mais capacitados e resilientes.
Os médicos psiquiatras enfrentam dilemas éticos todos os dias em suas práticas, muitas vezes envolvendo decisões sobre o consentimento informado e a capacidade dos pacientes de tomar decisões. Por exemplo, tratar pacientes com transtornos psicóticos graves pode levantar questões sobre quando intervir contra a vontade do paciente para evitar danos a si mesmos ou a outros. Decisões sobre o uso de contenção física ou química também são comuns, exigindo um equilíbrio cuidadoso entre proteger o paciente e respeitar seus direitos e dignidade.
Outro exemplo ocorre no tratamento de pacientes com tendências suicidas. Os médicos frequentemente precisam decidir se devem hospitalizar involuntariamente um paciente para protegê-lo, mesmo quando isso pode violar o desejo do paciente de evitar a hospitalização. Esses dilemas exigem que os psiquiatras considerem não apenas os aspectos clínicos, mas também os valores éticos e legais, o que pode ser extremamente desafiador sem o suporte adequado, como o oferecido pelos grupos de consultoria ética.
Este caso relatado destaca a importância de se ter grupos de apoio ético em instituições acadêmicas, especialmente em áreas como a psiquiatria, onde os dilemas éticos são frequentemente acompanhados de questões legais e humanas. O estudo conclui que a implementação de grupos de consultoria ética é uma ferramenta poderosa para auxiliar os residentes em sua formação, preparando-os para lidar com os desafios éticos que enfrentarão ao longo de suas carreiras.
DAMIANO, Rodolfo Furlan; SILVA, Thiago Fernando da; LUCCHETTI, Giancarlo et al. Ethical support to psychiatry residents: a report of a Brazilian ethics consultation group. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 67, n. 4, p. 543-547, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ramb/a/3qX6xHb4Kj7nbLB4FzFsdbt/. Acesso em: 01 ago. 2024.
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