O livro "As Vidas de Billy Milligan", escrito por Daniel Keyes, é uma obra fascinante que explora a complexidade da mente humana através da história real de um homem com múltiplas personalidades. Publicado pela primeira vez em 1981, este livro se tornou um marco na literatura sobre distúrbios mentais, oferecendo uma perspectiva única e detalhada sobre o Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI).
Billy Milligan foi o primeiro americano a ser absolvido de um crime por motivo de insanidade devido ao TDI. Acusado de sequestro e estupro, Milligan chocou o mundo quando seus advogados alegaram que ele não era responsável por suas ações, pois suas múltiplas personalidades assumiram o controle durante os crimes. O livro de Keyes detalha a vida de Milligan, desde sua infância conturbada até os eventos que levaram à sua prisão e subsequente tratamento.
Billy Milligan foi acusado de uma série de crimes graves em Ohio no final dos anos 1970, incluindo sequestro, estupro e roubo de três mulheres no campus da Universidade Estadual de Ohio em 1977. Esses crimes chocaram a comunidade local e atraíram atenção nacional. Após sua prisão, foi descoberto que Billy Milligan tinha múltiplas personalidades, um aspecto central de seu diagnóstico de Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI).
Durante os crimes, diversas personalidades de Billy assumiram o controle, cada uma com suas próprias características, motivações e comportamentos. Algumas das personalidades envolvidas nos crimes incluíam Ragen Vadascovinich, uma personalidade de origem iugoslava responsável pela defesa e segurança de Billy, conhecida por sua força física e agressividade, que foi acusada de cometer os roubos; e Adalana, uma personalidade feminina tímida e solitária, considerada responsável pelos estupros.
No julgamento, os advogados de Billy Milligan argumentaram que ele não estava consciente dos crimes devido ao controle de suas personalidades alternadas. Essa defesa se baseou na alegação de que Billy não tinha controle ou lembrança das ações cometidas por essas personalidades. Em uma decisão histórica, Billy Milligan foi considerado não culpado por motivo de insanidade. O tribunal aceitou que suas personalidades alternadas eram responsáveis pelos crimes e que Billy, como indivíduo principal, não tinha controle sobre suas ações. Em vez de ser condenado à prisão, ele foi enviado a uma instituição psiquiátrica para tratamento.
Billy teve uma infância marcada por abusos e traumas. Seu pai biológico cometeu suicídio quando Billy era muito jovem, e sua mãe casou-se novamente com um homem que abusava física e emocionalmente de Billy e seus irmãos. Esses traumas iniciais foram fundamentais para o desenvolvimento de suas múltiplas personalidades, uma vez que a mente de Billy criou diferentes identidades para lidar com a dor e o sofrimento.
O aspecto mais intrigante do livro é a descrição das 24 personalidades distintas de Billy Milligan. Cada personalidade tinha características próprias, incluindo idade, gênero, habilidades e até sotaques diferentes. Entre elas, havia Arthur, um intelectual britânico; Ragen, um iugoslavo que possuía habilidades em artes marciais; e Adalana, uma jovem tímida e solitária. Keyes descreve como essas personalidades emergiam para proteger Billy de situações traumáticas e como elas interagiam entre si.
O julgamento de Billy Milligan foi um dos mais controversos da história dos Estados Unidos. A defesa conseguiu provar que Billy não tinha controle sobre suas ações devido ao TDI, resultando em sua absolvição por motivo de insanidade. Em vez de ser enviado para a prisão, Billy foi internado em uma instituição psiquiátrica, onde recebeu tratamento intensivo. Keyes aborda as implicações legais e éticas desse veredicto, levantando questões sobre a responsabilidade criminal e a saúde mental.
Durante seu tempo na instituição psiquiátrica, Billy foi submetido a várias formas de terapia para integrar suas personalidades. Keyes descreve os desafios enfrentados pelos terapeutas e por Billy durante esse processo, destacando os momentos de progresso e os reveses. O tratamento de Billy oferece uma visão profunda sobre as dificuldades de tratar o TDI e a complexidade de tentar "unificar" uma mente fragmentada.
O livro também inclui entrevistas com os profissionais de saúde mental que trataram Billy, fornecendo uma perspectiva abrangente sobre o TDI. Esses especialistas discutem a natureza do distúrbio, suas causas e os desafios no diagnóstico e tratamento. Keyes utiliza essas entrevistas para enriquecer a narrativa, oferecendo ao leitor uma compreensão mais profunda da condição de Billy.
As causas do TDI são geralmente associadas a traumas graves na infância, como abusos físicos, emocionais ou sexuais. Os especialistas explicam que a mente de uma criança, em resposta a esses traumas, pode criar personalidades alternativas como mecanismo de defesa para lidar com a dor e o medo.
Há na saúde mental um longo interesse sobre os aspectos da dissociação, que incluem o TDI. Pierre Janet, um importante neurologista do começo do século XX, em seu trabalho sobre automatismos psicológicos, definiu a dissociação como um defeito do sistema associado que cria a consciência secundária, a qual ele chamou de ideia fixa subconsciente. De maneira similar, Sigmund Freud e Joseph Breuer consideram a dupla consciência em "Estudos sobre a Histeria" como um fenômeno patológico. Por outro lado, Carl Gustav Jung considerou a dissociação da personalidade não apenas um fenômeno patológico, mas viu a dissociação da psique como um processo psicológico fundamental que possibilita a diferenciação e especialização dos processos psíquicos. Um exemplo disso é a capacidade de foco da vontade ou concentração em um único alvo, que muitas vezes é um pré-requisito para o desenvolvimento da personalidade. Durante esses processos, entidades psíquicas são criadas e associadas a certos conteúdos de memória, padrões de comportamento e cargas emocionais. Jung chamou essas entidades de complexos psíquicos, sendo o mais dominante deles, geralmente, o complexo do ego.
No diagnóstico, os profissionais enfrentam desafios significativos. A complexidade do TDI pode levar a diagnósticos errôneos, e é comum que os sintomas sejam confundidos com outros transtornos mentais, como esquizofrenia ou transtorno bipolar. Além disso, as personalidades podem ser altamente funcionais e esconder os sintomas de maneira eficaz.
Após seu tratamento, Billy Milligan teve uma vida relativamente tranquila, mas sua história até hoje levanta importantes questões éticas sobre a responsabilidade pessoal e a capacidade da justiça de lidar com doenças mentais. Keyes convida os leitores a refletirem sobre o equilíbrio entre punição e tratamento, e sobre como a sociedade deve responder aos crimes cometidos por indivíduos com graves distúrbios mentais. Essas reflexões continuam a ser relevantes nos debates atuais sobre saúde mental e sistema penal.
Fonte: Keyes, Daniel. As Vidas de Billy Milligan. Traduzido por Arlene Roma, Editora Rocco, 1986.