Você já ouviu falar de Nelly Bly? E de Walter Farias? Faz ideia do que eles têm em comum?
Este post, inspirado no episódio 86 do podcast "Rádio Novelo Apresenta" chamado "Os muros do Juqueri", vai revelar como as histórias dessas duas figuras, separadas por um século e um continente, se entrelaçam na luta por direitos humanos e dignidade no tratamento de doenças mentais.
O caso Nelly Bly
Nelly Bly, cujo nome verdadeiro era Elizabeth Jane Cochran, nasceu em 5 de maio de 1864, em Cochran's Mills, Pensilvânia. Ela cresceu em uma família de classe média, mas enfrentou dificuldades financeiras após a morte de seu pai, quando ela tinha apenas seis anos. Determinada a ajudar sua família, Nelly desenvolveu um forte senso de independência e um desejo ardente de fazer a diferença no mundo. Este desejo a levou ao jornalismo, onde ela rapidamente se destacou por sua coragem e determinação.
Nelly começou sua carreira jornalística de maneira notável. Em 1885, após ler um artigo sexista no Pittsburgh Dispatch intitulado "What Girls Are Good For", ela escreveu uma resposta contundente sob o pseudônimo "Lonely Orphan Girl".
Seu texto chamou a atenção do editor, que a convidou para uma entrevista e, posteriormente, ofereceu-lhe um emprego. Foi então que ela adotou o nome de pluma "Nelly Bly", inspirado em uma canção popular de Stephen Foster.
No início de sua carreira, Nelly se especializou em reportagens investigativas sobre as condições de trabalho das mulheres. No entanto, ela logo percebeu que suas reportagens estavam sendo limitadas a temas considerados "femininos". Determinada a expandir seus horizontes, Nelly se mudou para Nova York em 1887, onde conseguiu um emprego no jornal New York World, de Joseph Pulitzer. Foi aqui que ela realizou uma de suas investigações mais famosas e ousadas.
Em 1887, Nelly se internou disfarçada no asilo para mulheres de Blackwell's Island, uma instituição conhecida por suas condições desumanas. Sua reportagem, intitulada "Ten Days in a Mad-House", revelou abusos chocantes e negligência, gerando um clamor público que resultou em reformas significativas no sistema de saúde mental de Nova York. Este trabalho não apenas solidificou sua reputação como uma das principais jornalistas investigativas de sua época, mas também demonstrou o poder do jornalismo para provocar mudanças sociais.
Outra façanha notável de Nelly Bly foi sua viagem ao redor do mundo em 1889, inspirada pelo romance "A Volta ao Mundo em 80 Dias", de Júlio Verne. Determinada a bater o recorde fictício de Phileas Fogg, Nelly completou sua jornada em 72 dias, tornando-se uma celebridade internacional. Sua viagem foi acompanhada de perto pelos leitores do New York World, que aguardavam ansiosamente suas atualizações. Esta aventura não apenas destacou sua coragem e determinação, mas também mostrou o alcance global do jornalismo na era da informação.
Ao longo de sua carreira, Nelly Bly continuou a abordar questões sociais importantes, incluindo a corrupção política, as condições de trabalho nas fábricas e os direitos das mulheres. Ela eventualmente se casou com o milionário Robert Seaman e assumiu a gestão de sua empresa, a Iron Clad Manufacturing Company. Mesmo afastada do jornalismo por um tempo, Nelly nunca deixou de defender a justiça social, implementando melhorias significativas nas condições de trabalho de seus funcionários.
Walter Farias - O Capa-Branca: de funcionário a paciente de um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil
Walter Farias é uma figura central na luta por melhores condições nos hospitais psiquiátricos do Brasil. Sua história é um testemunho dos horrores e abusos que muitos pacientes enfrentaram no sistema de saúde mental brasileiro. A trajetória de Walter com o Hospital Psiquiátrico do Juqueri começou de uma maneira inusitada: ele iniciou sua relação com a instituição como funcionário. Trabalhando em diversas funções dentro do hospital, ele teve a oportunidade de observar de perto as condições precárias e os tratamentos cruéis impostos aos pacientes.
Com o tempo, Walter começou a desenvolver sintomas de transtornos mentais e, ironicamente, acabou se tornando um paciente do mesmo hospital onde trabalhava. Admitido no Juqueri, ele passou mais de duas décadas internado na instituição. Durante esse período, foi submetido a tratamentos desumanos, como terapia de choque e confinamento solitário, práticas que eram comuns no Juqueri. A transição de funcionário a paciente permitiu que Walter experimentasse os abusos do sistema de saúde mental de uma maneira profundamente pessoal.
A situação de Walter mudou quando ele começou a falar abertamente sobre os abusos que sofrera.
Um ponto crucial na vida de Walter foi seu encontro com o jornalista Daniel Navarro após sua participação no programa "Casos de Família". Walter foi ao programa divulgar sua pesquisa sobre os horrores do Juqueri, usando como base um caso inventado de problema familiar. A partir desse encontro, Walter e Daniel decidiram colaborar na escrita do livro "O Capa-Branca: de funcionário a paciente de um dos maiores hospitais psiquiátricos do Brasil". Juntos, eles documentaram os abusos e negligências enfrentados pelos pacientes do hospital, trazendo ainda mais atenção pública para a necessidade de reformas no sistema de saúde mental brasileiro.
A parceria entre Walter e Daniel não apenas destacou as atrocidades cometidas no Juqueri, mas também serviu como um chamado à ação. A coragem de Walter em compartilhar suas experiências e a dedicação de Daniel em documentá-las e divulgá-las foram essenciais para promover uma conscientização maior sobre a situação dos pacientes psiquiátricos no Brasil. A colaboração deles exemplifica como o jornalismo e o ativismo podem se unir para expor injustiças e promover mudanças significativas.
O caso de Walter Farias trouxe à tona a realidade brutal enfrentada por muitos pacientes psiquiátricos e ajudou a desencadear reformas importantes no sistema de saúde mental do Brasil. As exposições feitas por Walter e Daniel resultaram no fechamento de várias instituições psiquiátricas que não atendiam aos padrões básicos de cuidado e na promoção de tratamentos mais humanizados. A abordagem começou a se deslocar para modelos de tratamento baseados na comunidade, com foco na reabilitação e reintegração social dos pacientes.
A importância da história de Walter Farias é reconhecida anualmente no Dia da Luta Antimanicomial, celebrado em 18 de maio, que coincide com o aniversário do Complexo Hospitalar do Juqueri. Este dia simboliza a luta contra a opressão e os maus-tratos em instituições psiquiátricas e a busca por um tratamento humano e ético. A história de Walter nos mostra que, ao expor a injustiça, podemos promover mudanças significativas e garantir que o sofrimento do passado não se repita, inspirando uma luta contínua por dignidade e direitos humanos no tratamento de doenças mentais.