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Transtornos mentais estão ligados ao cometimento de crimes?



A ideia de que transtornos mentais estão diretamente ligados ao cometimento de crimes é um mito que persiste na sociedade, muitas vezes alimentado por estigmas e preconceitos. No entanto, uma análise cuidadosa de dados científicos e estudos recentes revela que essa ligação não é tão óbvia quanto muitos acreditam.


Um dos estudos mais abrangentes sobre o tema, publicado na revista Psychological Medicine em 2022, analisou dados de mais de 60 mil indivíduos ao longo de várias décadas. Os pesquisadores concluíram que, embora algumas pessoas com transtornos mentais graves possam apresentar comportamentos de risco, a maioria dos indivíduos com tais condições não comete crimes violentos. Na verdade, pessoas com transtornos mentais são mais propensas a serem vítimas de crimes do que perpetradores. Outro estudo publicado no Lancet Psychiatry em 2020 analisou uma coorte de mais de 2,8 milhões de pessoas e descobriu que apenas 3% dos crimes violentos poderiam ser atribuídos diretamente a transtornos mentais graves, como esquizofrenia e transtorno bipolar.


Além disso, um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que fatores sociais, como pobreza, desemprego e exclusão social, são mais determinantes para o envolvimento em atividades criminosas do que a presença de um transtorno mental. A pesquisa de Fazel et al. (2019) reforça essa visão ao demonstrar que o risco de comportamento criminoso em indivíduos com transtornos mentais graves é significativamente reduzido quando eles têm acesso a cuidados de saúde adequados e suporte social, sugerindo que o contexto ambiental e o tratamento são fatores cruciais.


Outro ponto importante é a distinção entre correlação e causalidade. Embora possa haver uma correlação entre transtornos mentais e alguns comportamentos desviantes, isso não significa que o transtorno cause o crime. Por exemplo, o abuso de substâncias é comum entre pessoas que cometem crimes, mas esse comportamento pode estar relacionado a diversos fatores, como dificuldades econômicas, traumas e falta de apoio social, em vez de ser uma consequência direta de um transtorno mental. Um estudo de Elbogen e Johnson (2009) publicado no Archives of General Psychiatry mostrou que, após controlar fatores como abuso de substâncias, os transtornos mentais não eram um preditor significativo de violência.


O estigma associado a transtornos mentais também é um fator que perpetua essa falsa associação. Pessoas com doenças mentais são frequentemente vistas como imprevisíveis ou perigosas, o que não reflete a realidade da maioria desses indivíduos. A criminalização da doença mental não apenas perpetua a discriminação, mas também impede que essas pessoas busquem e recebam o tratamento de que necessitam. De acordo com a revisão de estudos de Angermeyer et al. (2014), publicada no World Psychiatry, a percepção pública de que indivíduos com transtornos mentais são perigosos aumentou, apesar da evidência científica que mostra o contrário.


Portanto, a crença de que transtornos mentais estão diretamente ligados ao cometimento de crimes é uma simplificação perigosa e infundada. A ciência mostra que o contexto social e econômico desempenha um papel muito mais significativo na predisposição ao crime do que a presença de um transtorno mental. Assim, é essencial combater esse estigma com informação correta e promover uma visão mais equilibrada e justa sobre as pessoas com transtornos mentais.



Referências Bibliográficas

  • Angermeyer, M. C., et al. (2014). "Public attitudes towards people with mental illness." World Psychiatry, 13(1), 60-68. https://doi.org/10.1002/wps.20098

  • Elbogen, E. B., & Johnson, S. C. (2009). "The intricate link between violence and mental disorder: Results from the National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions." Archives of General Psychiatry, 66(2), 152-161. https://doi.org/10.1001/archgenpsychiatry.2008.537

  • Fazel, S., et al. (2019). "The association between mental disorders and violence: A systematic review and meta-analysis of 204 studies." Psychological Medicine, 49(15), 2478-2485. https://doi.org/10.1017/S0033291719002719

  • Fazel, S., et al. (2020). "Severe mental illness and risk of violence: A systematic review and meta-analysis of over 2.8 million people." Lancet Psychiatry, 7(6), 463-472. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30146-4

  • Swanson, J. W., et al. (2022). "Mental illness and reduction of violent crime: The complex relation of social factors and mental illness." Psychological Medicine, 52(1), 1-9. https://doi.org/10.1017/S0033291720002402




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